NOTA PÚBLICA SOBRE DECISÃO DE LULA DE NÃO REALIZAR ATOS DE MEMÓRIA SOBRE O GOLPE MILITAR DE 1964

Recebemos com absoluta perplexidade e extrema indignação a notícia de que o Presidente Lula teria proibido a realização de quaisquer atos alusivos aos 60 anos do golpe de Estado. Caso a informação se confirme,  será um erro histórico e uma omissão imperdoável.

Lula foi eleito tendo como bandeira fundamental a defesa da democracia e o combate ao golpismo. Após o 8/Jan, seu governo assumiu, corretamente, a defesa do Estado democrático de direito como objetivo central.

Pois todo esse discurso se torna mera letra morta diante desta omissão que se avizinha.

A efeméride de 60 anos do golpe de 1964 sob um governo democrático, após os duros anos de Bolsonarismo, abre uma janela de oportunidade histórica para reafirmarmos o mais absoluto repúdio ao golpismo de ontem e de hoje. Mas, pelo que parece, o governo irá jogar essa oportunidade no lixo.

É surpreendente a incompreensão do maior líder político progressista da história do país sobre a importância de se disputar a memória do passado. Enquanto a extrema-direita esteve no poder, eles assumiram a defesa de uma memória apologética da ditadura como uma bandeira central. Isso porque eles tinham clareza que para construir o país que queriam – autoritário, racista, classista, ultraconservador -, era preciso afirmar uma imagem positiva do regime de 1964.

Pois afirmamos que o oposto também é verdade. Se Lula deseja realmente construir um país mais democrático e menos desigual, é fundamental que consigamos desenvolver uma memória coletiva crítica sobre aquele período da história. Silenciar sobre o que foi aquele momento é abrir caminho para que parcelas da sociedade sigam acreditando em soluções autoritárias e projetos socioeconômicos regressivos.

Logo, não há outra palavra para definir essa decisão do governo: é covardia. Lula tem se notabilizado por assumir uma posição extremamente corajosa no plano internacional, como quando denuncia o genocídio na Faixa de Gaza. Nesse cenário, fica difícil explicar o porquê de tamanho receio de enfrentar o golpismo no plano interno.

Ao que tudo indica, trata-se de um pacto com os militares. As Forças Armadas, onde se situava o núcleo duro do golpismo que tentou impedir Lula de iniciar seu governo de fato, agora são premiadas pelo presidente. Enquanto isso, os familiares de mortos e desaparecidos, os ex-presos políticos e as organizações de direitos humanos, que se engajaram fortemente em sua campanha e se empenharam para defender a democracia nas eleições e no pós-8/Jan, recebem uma verdadeira punhalada nas costas.

Ocorre que mesmo se sua opção for capitular diante da pressão dos golpistas, Lula não tem esse direito. Sua decisão viola as recomendações da Comissão Nacional da Verdade, as sentenças vigentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos, dezenas de recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, as diretrizes internacionais da relatoria de Direito a Memória e Verdade da ONU, as políticas públicas regionais de memória vigentes e aprovadas no Mercosul, todas as decisões judiciais nacionais que reconheceram o direito à verdade e a memória, a sentença do Supremo Tribunal Federal no caso da Lei de Anistia que reconheceu o dever de verdade e memória como alternativa à falta de punição aos torturadores, o Plano Nacional de Direitos Humanos, as decisões tomadas com participação popular durante a ultima Conferência Nacional de Direitos Humanos, a Política Nacional de Arquivos, inúmeras recomendações do Ministério Público Federal e da Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos, e os próprios objetivos institucionais do Ministério dos Direitos Humanos definidos em decreto presidencial.

Diante disso tudo, não temos como não externar nossa extrema indignação. Uma indignação que é, sobretudo, pelas gerações futuras. Pois a omissão irá cobrar seu preço. E quando as Forças Armadas voltarem a ameaçar a democracia, lembraremos da escolha de Lula.

Carta aberta ao presidente Lula – por Leo Alves

Leo Alves é músico, defensor de direitos humanos e neto de Mário Alves, desaparecido político pela Ditadura Militar

O companheiro Lula não teve o direito de velar o corpo de seu irmão. Esse fato chocou a toda sociedade, e também aos familiares de mortos e desaparecidos da Ditadura, que são muitos e estão em todos os setores da sociedade. São pessoas que aderiram ao projeto democrático que Lula impulsiona no Brasil, com sua potência política aguerrida, desde o final dos anos 70. São pessoas que apoiaram incondicionalmente a retomada democrática, de novo, liderada por Lula nas eleições de 2022.

Não velar o corpo de seu irmão foi fato que trouxe muita dor para o presidente Lula. Longe de qualquer desrespeito à essa dor do companheiro, nós familiares de mortos e desaparecidos da Ditadura queremos chamar à empatia nosso presidente, que no momento é o único brasileiro que pode reinstalar, com uma canetada, a única política pública, garantida por lei, que pode dar “alguma” resposta à dor desses familiares que não podem velar os corpos dos seus parentes: trata-se da Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), extinta irregularmente por Bolsonaro, à menos de um mês da posse do nosso presidente Lula.

Como fosse quase um escárnio pessoal ao próprio Lula, o ex-deputado que selou seu voto golpista pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff com outro escárnio misógino e nojento ao homenagear o torturador da companheira, encerra a CEMDP, que estava desde 1995 em funcionamento.

Pois bem, lavrado o decreto de reinstalação da CEMDP por seu próprio Ministro Sílvio Almeida, com parecer favorável de seus Ministros da Defesa e Justiça, nosso presidente insiste em não reinstalar a CEMDP. Isso dói mais aos familiares justamente porque nos consideramos aliados deste governo. Mas nada nos é dito para justificar essa demora. Pelo contrário, a audiência oficiada ao presidente Lula para receber familiares, com o apoio e subscrição das maiores entidades de direitos humanos do Brasil, foi secamente negada. Ainda assim, familiares estiveram na frente do Palácio do Planalto em pleno dia 30 de agosto, Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados (ONU), e ainda assim, não foram recebidos pelo presidente, e sim, pela Polícia Militar do DF e o próprio exército. E veja, esses familiares animados por ter meses antes o presidente Lula visitado as familiares de mortos e desaparecidos da Argentina, crentes que agora “era nossa vez”: que nada. Ficamos do lado de fora, mal recebidos pelo secretário da presidência, que achava que precisávamos vir “em associação” – sem saber ele das entidades que nos apoiavam, que oficiaram sua secretaria, e sequer quem estava ali, só para citar: Vera Paiva, filha de Rubens Paiva, Diva Santana, irmã de Dinaelza Santana – ambas eram integrantes da CEMDP! E o secretário ainda dizia que era ex-preso político, do Partidão e tal. Deveria saber do peso de décadas de luta (desde fins dos anos 70!) que estavam ali defronte ao Palácio do Planalto! Ficou conosco ainda assim, mais de três horas debaixo do sol, Diva perto dos 80 anos de idade! Francamente.

Feito esse preâmbulo, até hoje, mais de um ano depois da extinção da CEMDP, o que vem da casa civil e o governo de resposta é: “aguardamos o momento oportuno”. Pois bem, nesse ponto gostaria de lembrar da ocasião em que foi negada ao presidente sua presença no sepultamento do irmão, e sua defesa “argumentou que a Lei de Execução Penal prevê o ‘direito humanitário’ de o ex-presidente comparecer ao velório”, com as seguintes palavras: “Não é possível tornar os direitos dos cidadãos brasileiros letra morta diante de considerações consequencialistas, ancoradas sobre os argumentos burocráticos da reserva do possível ou da preservação da ordem pública, especialmente quando tais questões podem ser facilmente solucionadas”.

Portanto, companheiro Lula, nos apropriamos da palavra da sua defesa, em prol da nossa: podes solucionar facilmente essa questão com uma assinatura, pois nosso direito à CEMDP não pode virar “letra morta diante de considerações consequencialistas”. Ao mesmo passo que a justiça frustrou sua presença no sepultamento do seu familiar por demora sob “argumentos burocráticos da reserva do possível ou da preservação da ordem pública”, pedimos que não repita esse gesto enquanto nosso chefe do executivo. Calcule os milhares de familiares que estão nessa posição humilhante e desumana. Ao pé do marco de 60 anos do golpe que instalou essa Ditadura sangrenta, fica evidente que muitos familiares estão partindo sem ver o mínimo de justiça, sem poder sepultar os restos mortais dos seus, tal como vossa excelência não pôde com o irmão. Esse é nosso apelo à vossa empatia.

Não preciso me alongar e apontar que o silenciamento das mortes e desaparecimentos do passado só fazem impulsionar as mortes e desaparecimentos do presente. Interromper uma política pública como a CEMDP – que sequer perfeita é! – seria aumentar um “buraco” histórico em relação ao período da Ditadura Militar que seria manancial para a criação de novos Bolsonaros, continuamente. Lembre-se caro presidente, a Ditadura Militar assolou e violentou toda a sociedade brasileira, e vossa excelência é um exemplo disso: um operário e sindicalista que se levantou contra essa opressão. Convocamos novamente esse espírito, e, em nome de todas as mães, avós, irmãs e demais familiares de mortos e desaparecidos desse Brasil, reinstale a CEMDP. Já!

CARTA AO AVÔ

54 anos sem Mário Alves – por Leo Alves

“Camarada Mário, meu avô! Resolvi lhe escrever esta carta e te contar as novas, inspirado nas cartas do companheiro Ivan Cosenza, que escreve para o falecido pai, Henfil – @ascartasdopai – Sei lá, né? Parece que está sendo um dos poucos recursos que familiares de pessoas afetadas pela Ditadura de 64 estão tendo hoje para serem escutados: falar com seus próprios mortos!

Lucinha Alves, Mário Alves e Dilma Borges

Não sei se você esbarrou por aí com o Henfil para ele te atualizar, mas eu resumo pra ti, rapidamente, o estado de coisas que chegamos no Brasil. Olha meu velho, a milicada do teu tempo deu um jeito de saírem livre, leve, soltos dos crimes da ditadura. De lá para cá, vê-se que a “redentora” (salve Stanislaw!) forjou uma militarização tal da sociedade, que hoje as PM’s matam crianças na rua, à luz do dia. Meu velho, matam grávidas, trabalhadores nas favelas… É mesmo um apartheid social. E, só para citar uma última, até o dia 8 de janeiro do ano passado, passamos por uma série de golpes e tentativas de golpe, sempre com a milicada no meio, desde 2016. Repito, sempre! Essa última do dia 8 foi a gota para mim. Finalmente, ficou cristalino que são dois Estados, como sempre diz a companheira Diva Santana, velha guerreira baiana, irmã de Dinaelza Santana, desaparecida no Araguaia… O Estado deles tutelando o nosso, no caso! O governo agora – do nosso campo, avô! – não nos escuta, o presidente não recebe os familiares. Não explica afinal porque não reinstala a Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, aquela que, em tese, deveria estar procurando seu corpo. Faz mais de um ano já sem essa comissão, extinta pelo “inominável”. Nada além do que um direito, que nem é perfeito, conquistado pela luta da tua filha e as Divas Santanas. Não é um projeto de lei, já é uma lei! Tão barganhando nossos direitos com os militares, vô, tá puxado, puxadíssimo!

Dilma Borges e companheiras na luta

Mas vamos lá, para não pesar tanto, tá aí uma boa nova: tua filha Lucinha Alves, junto com as Divas Santanas, todas as mães e familiares de mortos e desaparecidos da favelas, do campo, estão nos ensinando tanto! É gente porreta, de uma força descomunal, que choram, é óbvio – eu choro! e nem te conheci!!! – mas que forjam uma humanidade sem tamanho em nós das gerações seguintes. E ensinam, principalmente, a lutar por justiça e direitos iguais – viu, tua filha pegou a lição direitinho! hehehe. Ah, e a vó, tua companheira Dilma Borges, será sempre uma heroína para mim, manda beijo para ela e diga que a amo – e que não esqueci o gosto divino das panquecas dela!

Lucinha Alves

Então velho, essa lição de humanidade tá valendo ouro por aqui, país que agora tem um monte de polícia e milico no congresso nacional – não como segurança do congresso, como senadores! deputados… anomalia em outros países! – vários milicianos “patrãozão” por aí, capitão que gosta assumidamente de torturar, nas instituições, pela sociedade… Sem mencionar o último presidente que tivemos, meu… que fita! Melhor nem mencionar mesmo, tamo chamando ele por aqui de “inominável”, “bozo”, “inelegível”, qualquer coisa para evitar o asco que o nome dele chama. Pergunta aí pro Henfil, rsrsrsr

Leo Alves com foto da avó Dilma e avô Mário

Muita coisa para te botar a par meu avô, não vai caber nesta cartinha. Atualizar 54 anos de babado não é mole. Antes de me despedir, posso dizer que teu neto virou músico, defensor de direitos humanos, e arriscou filosofia na faculdade. Minha companheira Aline tá aqui mandando um beijo, e aproveito para compartilhar um videoclipe (mais abaixo, nesta publicação) onde ela canta lindamente uma música do Gonzaguinha que fala de guerreiros como você, desaparecidos do nosso cotidiano neste planeta, mas sempre aparecidos políticos nas mentes e corações! Beijos, Leo Alves

PS: eu faço a assistência de direção do clipe – pelo visto teu neto se arrisca no audiovisual também, hehehe. Depois do texto da companheira Fernanda, além do vídeo, tem a letra da música, e a ficha técnica dessa produção audiovisual

Mário Alves de Souza Vieira

Mário Alves, presente! – por Fernanda Rocha 

54 anos do desaparecimento do cientista social, pesquisador e jornalista Mário Alves. Nascido na cidade de Sento Sé, norte da Bahia, em 1923, sua trajetória foi interrompida pelas mãos dos agentes do estado ditatorial brasileiro instaurado em 1964. Falar do que aconteceu com Mário Alves é tocar na memória da dor da perda de seus familiares, que compartilham a mesma dor com dos familiares de tantos que lutaram contra um regime autoritário, em um país que ainda continua sendo tutelado pelos militares. Ainda.

Em sua juventude na Bahia, a sua escolha de vida foi ingressar no Partido Comunista Brasileiro. Liderou o movimento estudantil do seu estado, e em virtude da perseguição aos comunistas no governo Dutra, Mário migrou para o sudeste. Levou consigo o conhecimento em prol das lutas que ainda são muito caras ao povo brasileiro: a luta do operariado e a luta pelo direito à terra. A revolução foi o caminho possível na prática e na teoria de Mário. Ele entendia que o caminho era mudar profundamente as estruturas agrárias, no corte radical do privilégio e monopólio dos latifundiários. Atual é o pensamento de Mário Alves, quando se trata de desmascarar as reformas que perpetuam o projeto de colonização da terra, dos territórios indígenas e dos territórios urbanos marginalizados e marcados pela violência de Estado contra a juventude negra.

Mário Alves de Souza Vieira

Quando a ditadura de 64 chegou para destruir partidos e seus projetos coletivos de revolução e mudança social, Mário juntamente com homens e mulheres da resistência, foi alvo. Preso por um ano no prédio onde funcionou o DOPS/RJ, ao sair da prisão em 1965, não desistiu de seus ideais. Mas em 1970, dia 16 de janeiro, Mário foi levado para o DOI-Codi e desde então continua desaparecido. Há 54 anos o estado brasileiro ainda não foi capaz de devolver uma resposta à Dilma Borges Vieira, sua companheira, Lucinha Alves, sua filha, e Leo Alves, seu neto. Há 54 anos os assassinos de Mário Alves, os ex-tenentes do Exército Luiz Mário Correia Lima, Roberto Duque Estrada, Armando Avólio Filho e Dulene Garcez e o ex-major do Corpo de Bombeiros Valter da Costa Jacarandá, continuam impunes. A impunidade até hoje grita diante das injustiças cotidianamente silenciadas.

LETRA:

Quem me dirá onde está
Aquele moço fulano de tal
filho, marido, irmão, namorado
que não voltou mais
insiste um anúncio nos nossos jornais
achados perdidos morridos
saudades demais
mas eu pergunto a resposta
ninguém sabe ninguém nunca viu
só sei quão sumido ele foi
sei é que ele sumiu
e quem souber algo acerca do seu paradeiro, beco
das liberdades estreita e esquecida
uma pequena marginal
dessa imensa avenida Brasil

Memória de um tempo onde lutar
Por seu direito
É um defeito que mata
São tantas lutas inglórias
São histórias que a história
Qualquer dia contará
De obscuros personagens
As passagens, as coragens
São sementes espalhadas nesse chão
De Juvenais e de Raimundos
Tantos Júlios de Santana
Uma crença num enorme coração
Dos humilhados e ofendidos
Explorados e oprimidos
Que tentaram encontrar a solução

São cruzes sem nomes, sem corpos, sem datas
Memória de um tempo onde lutar por seu direito
É um defeito que mata
E tantos são os homens por debaixo das manchetes
São braços esquecidos que fizeram os heróis
São forças, são suores que levantam as vedetes
Do teatro de revistas, que é o país de todos nós
São vozes que negaram liberdade concedida
Pois ela é bem mais sangue
Ela é bem mais vida
São vidas que alimentam nosso fogo da esperança
O grito da batalha
Quem espera nunca alcança

Ê ê, quando o Sol nascer
É que eu quero ver quem se lembrará
Ê ê, quando amanhecer
É que eu quero ver quem recordará
Ê ê, não quero esquecer
Essa legião que se entregou por um novo dia
Ê eu quero é cantar essa mão tão calejada
Que nos deu tanta alegria
E vamos à luta.

FICHA TÉCNICA:

“Achados e Perdidos /
Pequena Memória Para Um Tempo Sem Memória”

Compositor – Gonzaguinha /Editora – Moleque Edições LTDA

Músicos
Aline Deluna – Voz
Dany Roland – Edição de Vozes, Radiofonia e Samples
Murilo O’Reilly – Pandeiro, caixa com vassourinhas, castanholas, percussão digital, e interferências sonoras

Mixagem – Bruno Leite

Direção e Atuação – Aline Deluna
Assistente Direção – Leo Alves
Direção de Fotografia – Sil Azevedo
Assistente de Fotografia – Denilson Azevedo
Edição – Isac Maia

Fotografias e Imagens gentilmente cedidas por:
Katja Schilirò
Lucas Louback
Marcelo Valle
Laura Cantal

Artes (Fotografias e vídeo)
Jefferson Medeiros

Acervo Pessoal Cedido
Lucinha Alves
Togo Meirelles

Produção
Deluna Produções
Espaço Carioca 70

Mário Alves de Souza Vieira

O 8 de janeiro e a memória de um tempo que gira em falso

foto de fundo: Valter Campanato/ Agência Brasil


“Memória de um tempo
Onde lutar por seu direito
É um defeito que mata”

8 de janeiro é um feitiço do tempo
De um tempo que retorna, sem parar
8 de janeiro, insidioso momento
Insistente e surdo, concentrado em golpear

Hoje faz um ano, ou serão quase sessenta?
A memória já não pode mais contar
Que o país que era do futuro é roda lenta
Que sempre em falso, continua a girar

É verdade que a memória dos que lutaram
Sobreviventes ou tombados, também tenta se afirmar
Mas tropeça no butim dos golpistas que ganharam
O esquecimento, a impunidade, o constante arranjar

São militares, são senhores, do engenho, do capital
Dos poderes do império, do acordo federal
Nessas datas da vergonha, onde às favas vão os escrúpulos
Os senhores elegantes enviam seus fantoches esdrúxulos

Democratas, cidadãos retos e probos
Desmoronam em cartas marcadas
Sob os gritos e as bocas espumadas
Dos perversos, dos fascistas, dos bobos

É a tortura da delação, outrora da subversão
É a cumplicidade dos juízes, também dos legisladores
São as artimanhas da imprensa, em seus jogos de ilusão
São os poderes econômicos, os verdadeiros corruptores

A roda lenta gira em falso
Na farsa da lava-jato
Na mediocridade e ousadia
Da magistratura e da procuradoria

No impedimento sem crime
Na prisão sem prova, sem coisa julgada
Na validação do golpismo insigne
Quando a anistia da ditadura é validada

A gente não sai do lugar
Quando a justiça não tem lugar
Quando está brandida a espada militar
Que insiste em sempre sair do seu lugar

Instituições guardam no peito sua imagem
E por isto o peito sempre se arrebenta
Já que o sonho do povo que acalenta
É destruído por hordas selvagens

Di Cavalcanti, quadros rasgados
Mesas defecadas, tapetes urinados
Plenários depredados, vidraças partidas
Patrimônio estilhaçado, Constituição subtraída

A urgência de hoje é a mesma do início da nossa história
É o moto-contínuo de um país sem memória
É o engano e a desídia do abandono das lutas
Das pessoas desaparecidas, das suas buscas

Mas a esperança sempre se renova nessa ciranda suspensa no ar
É o caminho da memória dos que ousaram lutar
Dos que não se deixam mais em falso girar
Pois outro caminho não há senão a luta popular

“São tantas lutas inglórias
São histórias que a história
Qualquer dia contará

De obscuros personagens
As passagens, as coragens
São sementes espalhadas nesse chão”

José Carlos Moreira da Silva Filho é conselheiro da Coalizão Memória, Professor da Escola de Direito da PUCRS, Sócio Fundador da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD e integrante da Comissão de Anistia

8 de Janeiro: Golpe Nunca Mais!

O ano de 2024 inicia com a continuidade da luta em defesa da democracia e do direito à memória no nosso Brasil. Às vésperas de completar um ano da tentativa de golpe em 8 de janeiro, é muito importante lembrar que os atentados extremistas à sede dos Três Poderes não foram apenas um ataque de depredação ao patrimônio material e imaterial, mas um ataque contra a possibilidade de construção e reconstrução de um projeto de democracia.

Foto de fundo: Fellipe Sampaio /SCO/STF

A @coalizaomemoria vem se somar ao coro e às vozes que repudiam o acontecido naquele dia e convoca para uma rememoração necessária dos eventos levados adiante por golpistas.   Entendemos que é preciso questionar qual o conteúdo dessa defesa que cada ator ou grupo social faz, pois, aparentemente, muitos setores vêm a público repudiar o 8 de janeiro e defender a democracia, mas o fazem sem questionar as raízes estruturais que permitiram que aquela tentativa de golpe ocorresse. O 8 de janeiro tem significados muito mais profundos, que emergem das raízes fincadas no autoritarismo.

Foto: Cristiano Mariz

Nesse sentido, questionamos discursos que afirmam defender a democracia,  mas buscam fazê-los por meio de uma “pacificação” ou uma “conciliação” com os setores golpistas, particularmente no que diz respeito às forças armadas. Essa ideia de que é possível garantir a democracia por meio de uma pactuação e uma conciliação com aqueles que tentaram destruí-la já foi vista em outros momentos da história, a exemplo do período que marcou a redemocratização pós ditadura militar. Foi exatamente a ausência de um questionamento sobre o papel das forças armadas no golpe e na ditadura, e a ausência de uma Justiça de Transição efetiva, que permitiram que os militares se sentissem confortáveis para mais uma vez atentar contra a democracia.

Foto: Gabriela Biló / Folhapress

Entendemos que é fundamental que o 8 de janeiro passe a figurar no calendário nacional como um marco necessário de luta em defesa da democracia, para que todos os anos lembremos que grupos extremistas, com apoio de empresários e militares, tentaram mais uma vez derrubar nossa democracia, como fizeram em outras ocasiões na história brasileira.

Por sua vez, o 8 de janeiro também pode ser celebrado diante da perspectiva que, desta vez, os intentos golpistas foram mal sucedidos, em razão da conformação de uma frente política, social e institucional em defesa do regime democrático, que se estabeleceu naquele momento, liderada pelo governo recém-empossado, que garantiu a manutenção do regime democratico.

Foto: Adriano Machado / Reuters

Reforçamos que a defesa da democracia não pode ser entendida apenas como a defesa do sistema eleitoral ou de eleições periódicas, mas é preciso que tenhamos a consciência de que a luta e a defesa pela democracia deve ser cada vez mais substantiva. O que significa incluir na pauta a luta contra a violência de Estado, contra o extermínio negro, contra o genocídio indígena, e contra todas as formas de violência e opressão que seguem existindo em nosso país, independente de governo e de regime. Nesse sentido, convocamos os outros atores da sociedade civil e atores institucionais a incluir na agenda de defesa da democracia a luta permanente contra a violência de Estado.

Foto: Valter Campanato / Agência Brasil

8 de Janeiro: Golpe Nunca Mais!

Coalizão Brasil Memória Verdade Justiça Reparação e Democracia

Nunca Más!

No marco dos 50 anos do golpe de Estado que derrubou Salvador Allende e instaurou uma brutal ditadura militar no Chile, a Coalizão se soma ao grito de “Nunca Mais” que tomou o nosso continente latino-americano para rememorar e repudiar o 11 de setembro de 1973. Hoje, vem do Chile a lembrança de que Memória, Verdade, Justiça e Reparação são instrumentos fundamentais para a consolidação da democracia. 

Nesta data, solidarizamo-nos com as vítimas e familiares da brutal ditadura que se instaurou naquele país a partir do golpe. Com amplo apoio norte-americano e sob o brutal comando do general Augusto Pinochet, o regime autoritário chileno vitimou milhares de pessoas e transformou o país num laboratório para as mais perversas políticas econômicas neoliberais. 

No entanto, a despeito das amplas mobilizações populares e da grande solidariedade internacional, é fundamental percebermos que as ameaças do autoritarismo não estão vencidas. Do oito de janeiro no Brasil ao crescimento eleitoral de candidaturas de extrema-direita nos países vizinhos, devemos lembrar que a América Latina vive sob a sombra permanente do golpismo e do fascismo, e que apenas intensificando a luta pela memória será possível barrar esse avanço. 

Esperamos, assim, que as mobilizações populares e as iniciativas estatais do governo Boric para marcar a efeméride nos sirvam de exemplo. Estamos a cerca de seis meses de uma marca tão importante quanto esta para o Brasil: os 60 anos do golpe militar de 1964. O governo brasileiro e a sociedade civil devem se inspirar no que está ocorrendo lá para que possamos pensar em como fortalecer a agenda da Memória, Verdade, Justiça e Reparação aqui. 

Nesse sentido, saudamos a presença dos ministros Flávio Dino e Silvio Almeida nos eventos de rememoração do cinquentenário do golpe no Chile, bem como o anúncio público de que suas pastas estarão unidas na construção de um Museu da Memória e dos Direitos Humanos no Brasil. Temos certeza de que eles retornarão para o Brasil ainda mais convictos da importância da agenda da memória como forma de consolidação da democracia. Convocamos, ainda, nossas companheiras e companheiros da sociedade civil e dos movimentos sociais para que possamos construir uma ampla agenda de debates, atividades e atos públicos em torno dos 60 anos do golpe de Estado no Brasil.

Allende, em seu discurso final, há exatos cinquenta anos, evocou: “Eles têm a força, poderão nos avassalar, mas não se detém os processos sociais nem com o crime nem com a força. A história é nossa e a fazem os povos”. Que sigamos o exemplo chileno de fazer a História recuperando a Memória, a Verdade e a Justiça.

MANIFESTE POUR LA RÉINSTALLATION DE LA COMMISSION SPÉCIALE SUR LES MORTS ET DISPARUS POLITIQUES

L’impunité et la violence du passé sont les racines de la violence que subit le Brésil aujourd’hui. La Commission spéciale sur les décès et disparitions politiques doit être rétablie maintenant ! Ce combat nous appartient à tous. Signez vous aussi le manifeste

MANIFESTE POUR LA RÉINSTALLATION DE LA COMMISSION SPÉCIALE SUR LES MORTS ET DISPARUS POLITIQUES

La démocratie brésilienne a été la cible d’attaques graves et permanentes contre sa maturation et sa stabilité, ce qui inquiète tous ceux qui défendent l’État de droit démocratique, surtout nous qui avons signé ce manifeste : Les États-Unis et l’Union européenne ont fait face à des familles de morts et de disparus politiques qui ont perdu leur vie pour avoir résisté à la dictature civilo-militaire imposée. Parce que c’est la politique mise en œuvre, celle d’extermination de ses opposants.

Nous croyons que les tentatives de destruction de la démocratie continuent de se produire lorsque les devoirs d’un État démocratique favorisant le soutien des actions pour assurer la clarification de la Vérité, le sauvetage et la construction de la Mémoire et l’application de la justice contre l’impunité des crimes commis ne sont PAS remplis.

En cette Journée Internationale de Lutte contre la Torture, nous qui subissons les conditions difficiles héritées de la vie marquée par les persécutions, la torture et les assassinats de nos proches depuis plusieurs générations, nous accompagnons différents gouvernements sans avoir eu accès aux circonstances réelles de la mort ni au corps de nos proches. Nous portons la souffrance des meurtres cruels et barbares et la disparition par la dissimulation de cadavres.

Comprenant ainsi qu’il faut aussi reprendre tous les travaux et faire tous les efforts nécessaires pour construire une société où la torture et l’extermination ne sont pas naturalisées, ne passent pas en toute impunité, nous : anciens époux, frères, sœurs, fils, filles, petits-enfants, petites-filles, neveux et nièces de morts et de disparus politiques, nous vous prions de réactiver immédiatement la Commission spéciale sur les morts et disparus politiques, créée par la loi nº 9.140/1995, et ses actions visant à ce que :

a) les politiques d’expédition des attestations aux fins de la rectification des sièges de décès soient reprises;

b) que soient garanties les conditions nécessaires, financières et de personnel, pour que se poursuivent les mesures de perquisition et d’identification des corps de nos proches; le reccueil oral de propos testimonials, des auditions publiques, entre autres démarches et activités auxquelles s’adresse cette commission;

c) l’évolution de la législation nationale et internationale en ce qui concerne l’interprétation des délais de prescription ou de prescription pour les procédures de reconnaissance et de réparation des membres de la famille des personnes décédées et disparues politiques soit observée;

d) les audiences et autres mesures qu’elle juge pertinentes pour que la Cour suprême fédérale (STF) soit invitée à réinterpréter la Loi d’Amnistie (1979) qui, jusqu’à présent, garantit l’impunité de centaines de tortionnaires et de meurtriers.

À compter de cette date, le 26 juin 2023, Journée internationale de lutte contre la torture, les familles des morts et des disparus signent et invitent l’ensemble de la société civile et entités, du Brésil et du monde entier, à signer également ce manifeste, au moyen du formulaire ci-dessous:

OBS : au fur et à mesure des souscriptions, nous mettrons à jour la liste des signatures Le MANIFESTE reste ouvert aux signatures, diffusées de plus en plus, cette cause appartient à toutes et à tous!

Les personnes et institutions suivantes soutiennent la déclaration et les demandes des membres de la famille dans la lettre du 26 juin 2023 ci-dessous. Veuillez noter que les associations et les titres sont à des fins d’identification, sauf indication contraire:

MANIFIESTO PARA LA REINSTALACIÓN DEL COMITÉ ESPECIAL DE MUERTOS Y DESAPARECIDOS POLÍTICOS

La impunidad y la violencia del pasado son las raíces de la violencia que Brasil sufre en el presente. ¡La Comisión Especial sobre Muertes y Desapariciones Políticas debe restablecerse ya! Esta lucha nos pertenece a todos. Firma el manifiesto tú también

MANIFIESTO PARA LA REINSTALACIÓN DE LA COMISIÓN ESPECIAL SOBRE MUERTES Y DESAPARICIONES POLÍTICAS

La democracia brasileña ha sido objeto de graves y permanentes ataques a su maduración y estabilidad, hecho que preocupa a todas las personas que defendemos el Estado Democrático de Derecho, especialmente a quienes elaboramos este manifiesto: familiares de políticos muertos y desaparecidos que perdieron la vida. porque resistieron a la dictadura cívico-militar impuesta. Porque esta es la política implementada, el exterminio de sus opositores.

Creemos que los intentos de destrucción de la democracia siguen ocurriendo cuando NO se cumplen los deberes de un Estado democrático de apoyar acciones para garantizar el esclarecimiento de la Verdad, el rescate y construcción de la Memoria, y la aplicación de la Justicia frente a la impunidad de los delitos cometidos.

En este Día Internacional de Lucha contra la Tortura, quienes hemos sufrido las penurias heredadas de una vida marcada por la persecución, la tortura y el asesinato de nuestros familiares, acompañamos desde hace varias generaciones a distintos gobiernos sin haber tenido acceso a las verdaderas circunstancias de la muerte o la cuerpos de nuestros seres amados queridos. Llevamos el sufrimiento de crueles y bárbaros asesinatos y desapariciones por ocultamiento de cadáveres.

Por ello, y entendiendo que también es necesario retomar todo trabajo y emprender todos los esfuerzos necesarios para construir una sociedad donde la tortura y el exterminio no se naturalicen, no queden impunes, nosotros: ex cónyuges, hermanos, hermanas, hijos, hijas, nietos, nietas, sobrinos y sobrinas de muertos y desaparecidos políticos, venimos a solicitar la inmediata reactivación de la Comisión Especial de Muertos y Desaparecidos Políticos, creada por la Ley nº 9.140/1995, y sus actuaciones con el objeto de:

a) Se retoman las políticas de expedición de certificados con el fin de rectificar actas de defunción;

b) Se garanticen las condiciones económicas y de personal necesarias para que se proceda a la búsqueda e identificación de los cuerpos de nuestros seres queridos; la realización de audiencias testimoniales, audiencias públicas, entre otras gestiones y actividades dirigidas por esta comisión;

c) Observar la evolución de la legislación nacional e internacional en la interpretación de la aplicación de la prescripción, o decadencia, para las pretensiones de reconocimiento y reparación a familiares de muertos y desaparecidos políticos;

d) Solicitar audiencias y demás medidas que estime pertinentes para que se inste al Supremo Tribunal Federal (STF) a reinterpretar la Ley de Amnistía (1979) que, hasta hoy, garantiza la impunidad de cientos de torturadores y asesinos en Brasil.

A partir de esta fecha, 26 de junio de 2023, Día Internacional de Lucha contra la Tortura, los familiares de muertos y desaparecidos firman, e invitan a toda la sociedad civil y entidades, de Brasil y de todo el mundo, a firmar también este manifiesto, a través del siguiente formulario:

OBS: a medida que avancen las suscripciones, actualizaremos la lista de firmas

El MANIFIESTO sigue abierto a firmas, difunde cada vez más, ¡esta causa es de todos, de todas y todes!

Las siguientes personas e instituciones respaldan la declaración y las demandas de los miembros de la familia en la carta del 26 de junio de 2023 a continuación. Tenga en cuenta que las asociaciones y los títulos son para fines de identificación a menos que se indique lo contrario:

NombreNombre del familiar afectado por la Violencia de Estado (si lo hubiere) – de cualquier periodo histórico, ayer y hoyOrganización o institución de la sociedad civil participante (si participa en una): no es necesario que esté vinculada al campo de los derechos humanos
Abigail Cantera Crespo
Alicia larrosa
Ana Estebanez Ortega
Angélica PizarroSalud mental y ddhh
Carmen Alquegui Lanas
Cecilia Gosso
Cristina Gómez EstébanezJosé Ramón Burgués (padre putativo)Asambleas Feministas Abiertas de Cantabria
Fabiana RousseauxTerritorios Clínicos de la Memoria
George Avelino
Graciela PoggiSi
Iara BermudezCrysol
Lourdes Barboza
María Celia Robaina
María Tocahttp://www.lapajareramagazine.com
Marta MaurásForo Permanente de Política Exterior – Chile
Michela VindrolaVindrola
Milagro Gárate
Miriam Fridman Wenger
Patricia López Benítez
Rosana FrancoNo la tengoJacarandá Cultura de la Memoria
Susana Villarán
Teresa Álvarez de los RiosEduardo de los Rios

OPEN LETTER FOR THE RECOMPOSITION OF THE SPECIAL COMMISSION ON POLITICAL DEATHS AND DISAPPEARANCES

The impunity and violence of the past continue to manifest themselves in the high levels of violence that Brazil suffers today. In order to overcome this legacy of violence, a full reckoning with the past is necessary. As a result, we believe that the Special Commission on Political Deaths and Disappearance must be re-established.

Please sign this Open Letter.

OPEN LETTER FOR THE REINSTALLATION OF THE SPECIAL COMMISSION ON POLITICAL DEATHS AND DISAPPEARANCES

Brazilian democracy has been the target of serious and permanent attacks on its maturation and stability, a fact that worries all those who defend democracy and the rule of law, especially those of us who prepared this open letter: relatives of killed and disappeared for political reasons who lost their lives because they resisted the Brazilian dictatorship of 1964-1985, and its policies of repression and extermination of opponents.

We believe that attempts against democracy continue when the duties of a democratic state to guarantee the clarification of the Truth, to rescue and reconstruct Memory, and to combat impunity for crimes committed are NOT fulfilled.

On this International Day in Support of Victims of Torture,

We who have suffered the hardships inherited from a life marked by persecution, torture and the murder of our family members, and that for several generations have accompanied different governments without having had access to the true circumstances of the death or the whereabouts of the bodies of our loved ones,  

We who bear the suffering of cruel and barbaric murders and disappearances due to the concealment of corpses,

We who understand that it is necessary to resume all work and undertake all the necessary efforts to build a society where torture and extermination are not normalized, do not go unpunished,

We, spouses, brothers, sisters, children, daughters, grandsons, granddaughters, nephews and nieces of political dead and disappeared in Brazil, come to request that the Special Commission on Political Dead and Disappeared, created by Law nº 9.140/1995, and its actions be immediately reactivated with the purpose of:

a) Issuing certificates and rectifying death certificates;

b) Continuing the search and identification of the bodies of our loved ones with all the necessary financial and personnel conditions; conducting testimonial hearings, public hearings, among other steps and activities directed by this Commission;

c) Observing the evolution of national and international legislation in the interpretation of the application of statute of limitations, or decadence, for claims for recognition and reparations to relatives of dead and politically disappeared;

d) Requesting hearings and other measures that it deems pertinent so that the Federal Supreme Court (STF) is urged to reinterpret the Amnesty Law (1979) that, in practice, guarantees the impunity of hundreds of torturers and murderers.

As of this date, June 26, 2023, International Day in Support of Victims of Torture, relatives of the dead and disappeared sign, and invite all civil society and entities, from Brazil and all over the world, to cosign this Open Letter, using the form below:

This list will be updated periodically.

In addition to signing this Open Letter, please feel free to share it widely. This cause belongs to everyone one of us!

The following individuals and institutions support the statement and demands of family members in the June 26, 2023 letter below. Please note that associations and titles are for identification purposes unless otherwise indicated:

COMUNICADO PÚBLICO

COMPROMISSOS DO BRASIL NA ONU SOBRE MEMÓRIA VERDADE JUSTIÇA E REPARAÇÃO

No último dia 24 de agosto de 2023, o jornalista Jamil Chade publicou em sua coluna no UOL trechos do documento apresentado pelo governo brasileiro à Organização das Nações Unidas, contendo os compromissos firmados voluntariamente pelo país para assegurar um assento no Conselho de Direitos Humanos da ONU.

A Coalizão congratula o governo pelos termos do documento. Como temos defendido desde nossa criação, há um ano, é preciso, de fato, avançar nas políticas públicas de memória, verdade, reparação e justiça, com inspiração nas melhores práticas internacionais, bem como caminhar na ampliação destes conceitos e dessa agenda, incorporando não apenas outras temporalidades históricas como também outras vítimas da ditadura militar, levando em conta especialmente os recortes de gênero, raça, classe, território e orientação sexual.

Aproveitamos o ensejo para apontar que entendemos que um sinal importante do compromisso efetivo com essa agenda seria a reinstalação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), extinta de forma ilegal no final do governo passado e ainda não restabelecida pela atual gestão.

É de se notar que, a despeito dos limites legais estabelecidos pela lei 9.140/1995, a CEMDP pode ter um papel estratégico no que se refere ao objetivo de ampliação dessa agenda. Por um lado, a Comissão pode envidar esforços concretos para a ampliação do conceito de desaparecimentos políticos no Brasil. Por outro, ela reúne uma importante expertise técnica que pode ser colocada à disposição para o esclarecimento das graves violações aos direitos humanos de outros períodos históricos, inclusive das que seguem sendo perpetradas no presente.

Muitos outros pontos constituem o que pensamos ser uma agenda mínima neste campo: a instalação da Comissão Nacional da Verdade Indígena; o avanço no reconhecimento das violações aos direitos humanos dos trabalhadores rurais; a implementação de políticas de memória e reparação sobre a escravidão negra; o fortalecimento da Comissão de Anistia; o fortalecimento da política de arquivos; a construção de espaços de memória e museus de Direitos Humanos; o avanço na revisão da lei de anistia e da responsabilização dos perpetradores; o cumprimento das recomendações da Comissão Nacional da Verdade, especialmente no que diz respeito às reformas institucionais voltadas para interromper o genocídio negro nas favelas, periferias e nos espaços de privação de liberdade, bem como àquelas que tratam do aperfeiçoamento das nossas instituições democráticas, especialmente no que diz respeito a reformas nas Forças Armadas.

Apesar da delicadeza do momento atual, marcado por limites políticos e orçamentários decorrentes da passagem de um governo de extrema-direita para uma gestão democrática, os quais dificultam a implementação desse programa em sua totalidade, acreditamos que tais iniciativas são fundamentais para a defesa e o fortalecimento da nossa democracia, tão atacada nos últimos anos.

Consideramos, também, que a fim de demonstrar na prática seu compromisso com essa agenda, é muito importante o governo sinalizar, na peça orçamentária a ser apresentada para o ano de 2024, a previsão de destinação de recursos para a implementação e execução dessas e de outras políticas públicas de memória, verdade, justiça e reparação para todas as formas de violações aos direitos humanos do passado e do presente.